Multiculturalismo, Interculturalidade e educação
Blog criado como espaço para a ampliação dos debates da disciplina "Multiculturalismo, Interculturalidade e Educação" oferecida pelo Programa de Pós Graduação em Educação, Cultura e Comunicação em Periferias Urbanas, da Faculdade de Educação da Baixada Fluminense - UERJ Duque de Caxias.
terça-feira, 14 de fevereiro de 2017
Aula 3 - Questão 3 (Texto de Marcelo Andrade)
A partir do debate sobre a Base Nacional Curricular Comum (BNCC) e a Reforma do Ensino Médio, aprovada pelo senado no último dia 8 de fevereiro, como pensar em uma escola que não ignore as diferenças e também não se feche em guetos, de acordo com as reflexões de Marcelo Andrade?
Questão proposta por: Magda, Luísa e Elisa.
Texto base: ANDRADE, M. (org) A diferença que desafia a escola: a prática pedagógica e a perspectiva intercultural. Rio de Janeiro: Quartet/Faperj 2009.
terça-feira, 7 de fevereiro de 2017
O híbrido, o racismo e o Funk
Salve gente,
Boa noite.
Diante das questões
levantadas por Karina Caetano e Mayra Madeira, provoquei algumas questões em uma
espécie de “texto”.
Fico a
disposição para críticas, ou levantamento de qualquer questão.
Obrigado e boa leitura.
O
híbrido, o racismo e o Funk
(Samuel Lima)
Imagem de um Baile Funk, por Vincent Rosenblatt. |
PALAVRAS CHAVES: HIBRIDIZAÇÃO,
RACISMO, FUNK
No século XX, as variadas formações e
multiplicidades étnicas que traziam os processos imigratórios como
característica, se mostrou no Brasil com a chegada de imigrantes que vinham da
Itália, Alemanha, Suíça, dentre outros países da Europa. O objetivo dessa
imigração era o branqueamento. Vera Candau bem lembra que esses imigrantes
europeus receberam “vantagens de acesso à terra e ao emprego que jamais foram
imaginadas pelos negros que aqui já estavam e com os quais a sociedade
brasileira tinha – e ainda tem – uma enorme dívida.”. (CANDAU, p. 59, 2002).
Abdias Nascimento realiza uma interessante reflexão
desse quadro, problematizando como o negro pensa, sofre, aspira, reivindica,
combate e almeja. O autor mostra na obra “O genocídio do Negro Brasileiro – processo
de um racismo mascarado”, variadas experiências negras com relação ao racismo
que foi fomentado não só pela escravização, mas também pela dita “democracia
racial”, que vela os conflitos raciais, em troca de um discurso que diz que os
“pretos e brancos convivem harmoniosamente, desfrutando iguais oportunidades de
existência, sem nenhuma interferência nesse jogo de paridade social,
das respectivas origens raciais ou étnicas.”. (NASCIMENTO, p. 41,
1978).
Recusando as classificações das ciências sociais
que definem o negro no Brasil - estas que designam brasileiros por sua marca/
aparência, por sua origem/ raça e/ ou etnia -, Nascimento critica as práticas
intelectuais que tem o fenótipo ou o genótipo como norteador, e que nega o fato
concreto de que o citado país é marcado pelas diferenças e divergências étnico
raciais. O corpo designado negro, preto, moreno, mulato, crioulo, pardo,
mestiço, cabra, dentre outros eufemismos para designar o homem-de-cor, o
descendente de africano escravizados no Brasil, enfim, “Trata-se, portanto, de
um negro, não importa a gradação da cor da sua pele. Não vamos perder tempo com
distinções supérfluas...” (NASCIMENTO, p. 42, 1978).
Bacharel em economia, artista plástico, ator, diretor
teatral, parlamentar e, principalmente, militante da luta pela igualdade
racial, Abdias Nascimento explica que esses processos da democracia racial são
maliciosos, já que Gilberto Fleyre (um dos grandes propagadores do termo e/ ou
do conceito) buscou racializar as relações étnicas, em troca de um
embranquecimento da pele e da cultura negra. Com uma insistência de
propostas perigosas, cheia de paternalismos, neocolonialismos e racismos,
através de termos como, por exemplo, a morenidade, que tem o
objetivo de fazer desaparecer a ideia de descendência africana, física e
espiritualmente. Fleury segue nos equívocos, quando propõe a co-colonização –
que seria o negro africano como o co-colonizador do Brasil, ou seja, são
co-responsáveis, junto com os europeus, pela erradicação das populações indígenas
– e a metarraça – base para reforçar a continuidade do
branqueamento brasileiro, em uma forma sofista que coloca a negritude, muita
das vezes, como algo racista. (NASCIMENTO, 1978).
Seria a “democracia racial” a “base teórica”
do dito “racismos ao contrário”? Abdias comenta o conceito, dizendo que:
Desde os
primeiros tempos da vida nacional aos dias de hoje, o privilégio de decidir tem
permanecido unicamente nas mãos dos propagadores e beneficiários do mito da
‘democracia racial’. Uma ‘democracia’ cuja artificiosidade se expõe para quem
quiser ver; só um dos elementos que a constituiriam detém todo o poder em todos
os níveis político-econômico-sociais: o branco. Os brancos controlam os meios
de disseminar as informações; o aparelho educacional; eles formulam os
conceitos, as armas e os valores do país. Não está patente que neste
exclusivismo se radica o domínio quase absoluto desfrutado por algo tão falso
quanto essa espécie de ‘democracia racial?’. (NASCIMENTO, p. 46, 1978).
Tal reflexão e
revolta de Abdias sobre a “democracia racial”, nos remete ao pensamento de
Frantz Fanon, que ressalta o racismo e o colonialismo como algo que deveria ser
entendido nas maneiras de ver o mundo socialmente; mundo este racista, onde os
negros são construídos como negros, ou seja, o pensar sobre distintos termos
raciais que acontecem através da linguagem. Fanon explica que com a linguagem
geramos e vivenciamos os significados. Dominar uma linguagem, um certo idioma,
é a assumir uma identidade cultural. Para o negro, a predominação de uma
linguagem mostra uma promessa que não se cumpre, pois seu corpo ainda fica
ilegítimo.
Acreditar nessa
ilegitimidade seria sair da relação dialética entre o Eu e o Outro, onde quase
tudo, em um zelo sádico, é permitido contra os ilegítimos, no caso, o corpo
preto:
Na América, os
pretos são mantidos à parte. Na América do Sul, chicoteiam nas ruas e metralham
os grevistas pretos. Na África Ocidental, o preto é um animal. E aqui, bem
perto de mim, ao meu lado, este colega de faculdade, originário da Argélia, que
me diz: “Enquanto pretenderem que o árabe é um homem como nós, nenhuma solução
será viável”.
– Veja, meu
caro, eu não tenho preconceitos de cor... Ora essa, entre monsieur, em nossa
casa o preconceito de cor não existe!... Perfeitamente, o preto é um homem como
nós... Não é por ser negro que é menos inteligente do que nós... Tive um colega
senegalês no regimento que era muito refinado...
Onde me situar?
Ou melhor, onde me meter? Martinicano, originário de “nossas” velhas colônias.
Onde me esconder?
Olhe o
preto!... Mamãe, um preto!... Cale a boca, menino, ele vai se
aborrecer! Não
ligue, monsieur, ele não sabe que o senhor é tão civilizado quanto nós...
Meu corpo era
devolvido desancado, desconjuntado, demolido, todo enlutado, naquele dia branco
de inverno. O preto é um animal, o preto é ruim, o preto é malvado, o preto é
feio; olhe, um preto! Faz frio, o preto treme, o preto treme porque sente frio,
o menino treme porque tem medo do preto, o preto treme de frio, um frio que
morde os ossos, o menino bonito treme porque pensa que o preto treme de raiva,
o menino branco se joga nos braços da mãe: mamãe, o preto vai me comer! (FANON,
p. 105, 2008).
Em uma crítica ao escravo hegeliano, que almeja e
luta pela liberdade, esta que seria conquistada através do trabalho, Fanon
trabalha com a ideia de escravização, onde a brancura seria a medida da
liberdade, da humanidade e da universalidade. A negação do corpo negro adquire
uma característica falha, que invisibiliza na sua busca por liberdade, pois, na
maioria das vezes, o que ele busca é ser branco, ou melhor, ser considerado
como algo humano, logo, ser humano seria ser ou ter o comportamento do branco.
A cidade do Rio de Janeiro apresenta essas
dificultosas compreensões sobre as relações de raça, já que despista com a
simpatia, ritmo e cores, em contagiantes práticas que trazem em velos sua
discriminação racial. Voltando a Abdias, ele disse que essa situação mostra uma
patologia social do branco, dentro de abalos orgânicos e emocionais, realizado
com o apoio da “preservação de certos privilégios baseados na herança da raça
supostamente dominadora”. (NASCIMENTO, p. 82, 1982).
Quando as relações educacionais acolhem essas
questões, a partir de tal contexto, realizada por uma constante visão
holística, que leva “em conta todos os componentes de uma situação em suas
interações e influências recíprocas. ” (ANDRÉ, p. 15, 2005). A redução do
manancial de saberes trazidos para a sala de aula, afasta os prioritários
interessados de alguma reflexão que ultrapasse os muros das escolas. Quando o
professor é intolerante, e dissemina ódio, sem nenhum argumento plausível,
explicando que aqueles fenômenos não têm “nada haver”, porque acontece em certo
lugar que não o interessa, pois “não frequenta esse tipo de cultura, e/ ou não
convive com pessoas desse tipo de lugar, acaba violentando e afastando o
público que se mostra diverso.
O não acolhimento da realidade fenomênica dos
alunos, nega as relações de amputações em suas vivências, querências e
experiências, sobretudo, para os grupos que mais sofrem com tais
enclausuramentos, ou seja, negros, mulheres, homossexuais. Dizer simplesmente
que, por exemplo, o Funk, não presta, que a pichação é sujeira, que as pessoas
do mesmo sexo não podem se relacionar, ou que lugar de moradia e convivência
desses sujeitos é perigoso, nega toda a hibridização de culturas, ou seja, não
mostra uma realidade de mundos misturados, até então diferenciados.
Canclini explica que a hibridação é gerada pela
heterogeneidade multitemporal e pelos impactos da globalização, através de
processo que, na América Latina, decorrem da não existência de uma política
reguladora nos valores modernos, já que estruturas e práticas de culturas que
existiam de formas separadas, após se combinarem, passam a gerar novos
objetivos, estruturas e práticas: um hibridismo de imprevisões, que marca o
século XX nas mais diferentes áreas, produzindo um estimulo criativo que mescla
interculturas já existentes. (CANCLINI, p. 70, 1995).
Comentando brevemente sobre a cultura do Funk
Carioca, que ganhou proporção nacional, podemos lembrar que a partir dos anos
de 1970, através dos bailes de Black Music, espalhados pelos clubes suburbanos
da cidade do Rio de Janeiro, trouxeram novos grooves a jovens que cresceram
concomitantemente com a riquíssima (in)formação do Samba. Em 1980, quando o que
fazia a cabeça das Juventudes que frequentavam os mesmos bailes eram as bandas
Kraftwerk, Afrika Bambaataa e 2 Live Crew, surgia uma vanguarda de origem popular
que bebia do néctar musical do pop mundial, do mais comercial ao mais orgânico.
Nos anos de 1990, o movimento se aprofundou nas
possibilidades musicais da bateria eletrônica, junto a ritmos estrangeiros
(Miami Bass), momento em que as favelas cariocas e outros lugares do popular no
estado do Rio de Janeiro (Baixada Fluminense e Região Metropolitana)
participavam da construção do movimento Funk Carioca.
Assim como outros ritmos musicais nacionais de
origem negra (como os batuques de terreiros e as rodas de samba), movimentos
que já eram mal vistos pela sociedade por acontecerem às margens da cidade,
principalmente nas favelas (local onde os moradores tinham espaço para tais
manifestações culturais), o Funk Carioca foi visto pelo olhar convencional
conservador como uma ação de pobreza musical.
Mas mesmo não sendo de entendimento óbvio, a
potência do Funk Carioca se mostrou real, nascido das diásporas africanas nas
periferias das Américas de herança cultural negra, que foi espalhada pelo
continente a partir das frequências graves do Reggae, Samba, Soul e Funk (de
James Brown). Com melodias pouco favoráveis e defendidas por cantores que nunca
chegaram perto de qualquer conservatório musical, o Funk Carioca acompanhava
letras escritas em português, mas com erros gramaticais, ao mesmo tempo que era
assertivo nas composições, pois relatavam uma espécie de educação rueira, com
narrativas da realidade vivida pelas Juventudes moradora de áreas populares.
Dentre os variados acontecimentos desse movimento,
surge o primeiro grande fenômeno juvenil funkeiro (a), que é lembrado por
consagrar os (as) primeiros (as) cantores (as) desse ritmo: os Festivais de
Galeras. Eventos em forma de competições que reuniam grupos de pessoas de
diversos bairros (principalmente das favelas e dos subúrbios) em prol do Funk.
Uma das etapas era realizada por cantores que representavam e exaltavam as
galeras e seus lugares de moradia em verdadeiro hinos, trazendo em suas letras
reflexões do cotidiano vivido por esses jovens. O evento durava o ano inteiro,
e somente no final da competição os cantores vencedores eram consagrados pelo
público como MC de Funk, dando início a carreira de vários artistas que ainda
lutam para estar na cena musical.
O Funk é vida, enquanto vida é
memória, e sendo memória é morte. A coisa da morte, encarregada do ódio, da
dor, das desgraças, das doenças, enfim, dos sentimentos que nos remete à
violência, fazem parte da identidade rebelde funkeira, em um
abundante íntimo de variações. Nos anos de 1990, as favelas cariocas florescem
essa relação, principalmente na sua alquimia musical, que se mostra sinérgica
com o nosso maior patrimônio cultural (que já foi citado), o Samba, pois também
é capaz de transformar gritos desesperados em rebeldes hinos. Essas relações
mudam durante os anos 2000: de Festivais, Hassam, Bailes de Clubes, Spring
Love, a coisa foi para Baile de Favela, Tamborzão, Proibidão, Passinho, Ostentação,
dentro de diversas metamorfoses que fazem parte do conjunto da histórica
trajetória da renovação/ revolução funkeira. Junto com essas e
outras prosperidades funkeiras, acontece o aumento do sentimento
covarde, intolerante e hostil transmitido pelas elites em relação a essa
cultura popular urbana marginalizada, revertendo-se em uma “cultura” rentável,
a partir do fomento da sistemática, midiática e lucrativa venda de polêmicas funkeiras.
Ao mesmo tempo que se proibiam os Bailes Funks que aconteciam nas favelas Zonas Norte, Oeste e Sul, o “número” das festas “Funks” no asfalto aumentaram, principalmente nos espaços festivos e privados de eventos no Centro e na Zona Sul, que ajustam as estéticas funkeiras em suas festas para atrair o público. Hoje, essa relação amadurece, em uma apropriação cultural contraditória, já que as manifestações funkeiras, dentro de seu lugar de origem (a favela), não são aceitas com liberdade, enquanto produtoras e produtores dessa Zona Sul ganham protagonismo cultural e ascendência social, gourmetizando esses eventos para a “alta sociedade” e a quem mais possa pagar.
O Funk, pelos (as) funkeiros (as), segue na cultura popular brasileira, mantendo uma de suas principais características: a capacidade de se transfigurar. Exemplo disso está nos reencontros entre as Galeras que, em momentos anteriores, se relacionavam de maneira tensa e até mortal (já que circulação em lugares de turmas rivais, poderia significar a sua morte), e hoje vem promovendo uma agenda cultural periódica nos fins de semana da cidade do Rio, dentre outros municípios (principalmente os da Baixada Fluminense), que intima outras Galeras a realizar, ao mesmo tempo em que convoca outros apreciadores das condutas funkeiras, independente da geração, para apoiar e estarem reunidos em um momento de trocas, encontro de amigos e familiares, que mostra na prática a importância de problematizar todos os seus adjetivos, inclusive os violentos, independente das posturas conservadoras, que já comentamos por aqui, de maneira breve.
Na roda da história, o corpo funkeiro é vítima da maior violência que já aconteceu no Brasil: a escravização. Antes, violentados em navios negreiros, há um tempo atrás, violentados em camburões, e agora, violentados em caveirões, a violência, seguida de assassinato, sempre esteve presente nas consciências e práticas funkeiras. Paz, guerra, vida, morte, não são coisas efêmeras no Funk Carioca/ Funk/ Funk Brasil, pois faz parte de uma conjuntura presente em outras culturas populares criadas pelos descendentes de negros e indígenas, assim como nas práticas tradicionais de seus ancestrais (o Candomblé, a Capoeira, o Samba).
Na maioria das vezes, o entusiasmo com o Funk é concomitante com o desprezo das práticas funkeiras, já que apesar de tanto “glamour”, popularização e “aceitação”, casos como o de Gualter Rocha, o Gamba, e de Douglas Rafael da Silva Pereira, o DG, funkeiros que mostraram uma diplomacia de diálogo com outras culturas, fazendo parte da encantadora representação da geração do Passinho, mesmo sendo consagrados como artistas, inclusive com aparições no jornal, rádio e TV, não foram salvos, e acabaram assassinados, fazendo parte da triste taxa de homicídios da sociedade brasileira, em que o corpo do jovem negro encabeça as estatísticas. Situação latente no universo da vida funkeira, já que isso aconteceu com tantos outros que fazem parte da construção desse movimento, sendo eles de Galera, de Bonde, ou apenas um funkeiro devotado.
Diante dessa troca funkeira, e voltando ao debate sobre o racismo brasileiro, podemos retornar a Candau, que comenta que, os negros latino americanos, principalmente no Brasil, faz parte de um grupo que reivindica a necessidade de uma educação mais “inculturada” na realidade, em uma escola que esteja compromissada as questões do público emergente, respeitando e valorizando a sua cultura, que dê especial atenção aos casos das prioridades a serem resolvidas, que no caso, estamos falando dos negros, que na história do Brasil, passaram pro múltiplos processo de escravização. (CANDAU, p. 62, 2002).
A autora também lembra que considerar os alunos e suas famílias culpados seria uma postura bastante rasa, diante das “teorias racistas e a teoria da privação cultural.”.(CANDAU, p. 68, 2002). Mas quem determina o que deve ser cultura, ou quem deve ser marginalizado? Quais os critérios para considerar alguém culturado ou privado da cultura? Segundo Candau:
Ao mesmo tempo que se proibiam os Bailes Funks que aconteciam nas favelas Zonas Norte, Oeste e Sul, o “número” das festas “Funks” no asfalto aumentaram, principalmente nos espaços festivos e privados de eventos no Centro e na Zona Sul, que ajustam as estéticas funkeiras em suas festas para atrair o público. Hoje, essa relação amadurece, em uma apropriação cultural contraditória, já que as manifestações funkeiras, dentro de seu lugar de origem (a favela), não são aceitas com liberdade, enquanto produtoras e produtores dessa Zona Sul ganham protagonismo cultural e ascendência social, gourmetizando esses eventos para a “alta sociedade” e a quem mais possa pagar.
O Funk, pelos (as) funkeiros (as), segue na cultura popular brasileira, mantendo uma de suas principais características: a capacidade de se transfigurar. Exemplo disso está nos reencontros entre as Galeras que, em momentos anteriores, se relacionavam de maneira tensa e até mortal (já que circulação em lugares de turmas rivais, poderia significar a sua morte), e hoje vem promovendo uma agenda cultural periódica nos fins de semana da cidade do Rio, dentre outros municípios (principalmente os da Baixada Fluminense), que intima outras Galeras a realizar, ao mesmo tempo em que convoca outros apreciadores das condutas funkeiras, independente da geração, para apoiar e estarem reunidos em um momento de trocas, encontro de amigos e familiares, que mostra na prática a importância de problematizar todos os seus adjetivos, inclusive os violentos, independente das posturas conservadoras, que já comentamos por aqui, de maneira breve.
Na roda da história, o corpo funkeiro é vítima da maior violência que já aconteceu no Brasil: a escravização. Antes, violentados em navios negreiros, há um tempo atrás, violentados em camburões, e agora, violentados em caveirões, a violência, seguida de assassinato, sempre esteve presente nas consciências e práticas funkeiras. Paz, guerra, vida, morte, não são coisas efêmeras no Funk Carioca/ Funk/ Funk Brasil, pois faz parte de uma conjuntura presente em outras culturas populares criadas pelos descendentes de negros e indígenas, assim como nas práticas tradicionais de seus ancestrais (o Candomblé, a Capoeira, o Samba).
Na maioria das vezes, o entusiasmo com o Funk é concomitante com o desprezo das práticas funkeiras, já que apesar de tanto “glamour”, popularização e “aceitação”, casos como o de Gualter Rocha, o Gamba, e de Douglas Rafael da Silva Pereira, o DG, funkeiros que mostraram uma diplomacia de diálogo com outras culturas, fazendo parte da encantadora representação da geração do Passinho, mesmo sendo consagrados como artistas, inclusive com aparições no jornal, rádio e TV, não foram salvos, e acabaram assassinados, fazendo parte da triste taxa de homicídios da sociedade brasileira, em que o corpo do jovem negro encabeça as estatísticas. Situação latente no universo da vida funkeira, já que isso aconteceu com tantos outros que fazem parte da construção desse movimento, sendo eles de Galera, de Bonde, ou apenas um funkeiro devotado.
Diante dessa troca funkeira, e voltando ao debate sobre o racismo brasileiro, podemos retornar a Candau, que comenta que, os negros latino americanos, principalmente no Brasil, faz parte de um grupo que reivindica a necessidade de uma educação mais “inculturada” na realidade, em uma escola que esteja compromissada as questões do público emergente, respeitando e valorizando a sua cultura, que dê especial atenção aos casos das prioridades a serem resolvidas, que no caso, estamos falando dos negros, que na história do Brasil, passaram pro múltiplos processo de escravização. (CANDAU, p. 62, 2002).
A autora também lembra que considerar os alunos e suas famílias culpados seria uma postura bastante rasa, diante das “teorias racistas e a teoria da privação cultural.”.(CANDAU, p. 68, 2002). Mas quem determina o que deve ser cultura, ou quem deve ser marginalizado? Quais os critérios para considerar alguém culturado ou privado da cultura? Segundo Candau:
“Estas perguntas revelam que a escola, muitas das vezes ou quase sempre,
tem um padrão cultural determinado e espera que os(as) alunos(as) nele se
encaixem. A realidade, porém, mostra que nem todos possuem o esperado padrão
cultural determinado a partir dos critérios do grupo social e culturalmente
dominante. Durante muitas décadas, e ainda hoje, muitos educadores(as)
acreditam que a solução para o fracasso escolar dos alunos(as) de grupos
minoritários são os programas de compensação de déficit cultural.”.
(CANDAU, p. 69, 2002).
Finalizo por aqui abrindo mais algumas questões hibridas, que estamos analisando em uma futura produção dissertativa, sobre um fenômeno que já foi citado rapidamente, mas não aprofundado, que é a pichação, ou melhor, piXação: apesar de ser usada na língua portuguesa com “ch”, escreveremos a palavra (e suas derivações, por exemplo: piXar) com a letra “X” maiúsculo, em afinidade com o trabalho de Gustavo Coelho “Deixa os garotos brincar (2016), onde submete a grafia de Massimo Canevacci no livro Culturas eXtremas (2005).
PiXação é a denominação brasileira para definir aquela grafia misteriosa e proibida, exposta em uma superfície especialmente urbana, através de um fenômeno que contém certa diversidade que leva a ressignificações próprias em cada território. Afirmando, para provocar, diante de tudo que foi exposto no respectivo texto, podemos pensar que se o aluno for capaz de falar sobre ser piXador, o professor poderá, dentro de um movimento empático, empírico e acolhedor, trabalhar com qualquer assunto ou dificuldade nas suas aulas.
A
piXação é crime, e os piXadores sabem disso. Quando se mostram
piXadores, mesmo que com velos, os alunos poderão mostrar outros significantes
que fazem parte de sua vida, e que, talvez, esses sujeitos pensem que tais
assuntos ou maneiras de ser não pudessem serem trazidos para a escola – por exemplo,
sexualidade, religião, violência, racismo. Empiricamente, sugerimos aqui,
para encerrar, que, sendo a maioria dos piXadores corpos desacolhidos, por não
se sentirem bem por muitos acolhimentos, podemos dizer que os corpos mais
desacolhidos são aqueles que passaram pelos processos de raciologia do Brasil, iniciado com a escravização de corpos de mulheres indígenas, homens
indígenas, africanas e africanos, todos desumanizados pelos processos de
colonização europeu.
BIBLIOGRAFIA
ANDRÉ,
Marli Eliza D.A. Etnografia da prática escolar. Campinas: Papirus, 2005.
CANCLINI,
Néstor García . Culturas híbridas: estrategias para entrar y
salir de la modernidad. Buenos Aires: Sudamericana, 1995.
CANDAU,
Vera. Capítulo 3: Multiculturalismo e educação: a construção de uma
perspectiva. In: Candau, V. (org.). Sociedade, educação e cultura(s) questões e
propostas. Rio de Janeiro: Vozes, 2002.
COELHO,
Gustavo. Deixa os Garotos Brincar. Rio de Janeiro: Multifoco, 2016.
DV,
Nuno. Rio de Riscos. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2013.
FANON,
Frantz. Pele negra, máscaras brancas. Salvador: EDUFBA, 2008.
NASCIMENTO,
Abdias. “O Genocídio do Negro Brasileiro – Processo de um Racismo Mascarado”.
Paz e Terra: Rio de Janeiro, 1978.
NASCIMENTO,
Abdias. “O negro revoltado”. 2ª edição. Nova Froteira: Rio de Janeiro, 1982.
terça-feira, 31 de janeiro de 2017
Aula 02 - Questão 02
Educação multicultural x escola sem partido.
Pense nos processos históricos que fizeram com que a educação multicultural viesse a ser uma demanda e como hoje vem se construindo um discurso a favor das escolas sem partido. Quanto isso pode apagar um processo histórico de luta e de visibilidade e pode destruir processos atuais, que visam incluir, olhar e escutar as identidades marginalizadas? Por fim, como o discurso conservador, cada vez mais presente, vem tentando derrubar uma educação inclusiva, multicultural ou popular?
Obs.: Lembrar da barreira que existe em quaisquer tentativas de discutir gênero e sexualidade dentro da sala de aula.
Texto de referência: CANDAU, Vera. Capítulo 3:
Multiculturalismo e educação: a construção de uma perspectiva. In: Candau, V.
(org.). Sociedade, educação e cultura(s) questões e propostas.
Questão proposta por Gizele, Karina, Mayra, Samuel e Thiago.
Aula 02 - Questão 01
Diante da hibridização cultural que reconfiguram identidades por meio de processos diaspóricos globais, como pensar categorias como raça, etnia, classe, gênero ou território? Essas categorias podem realmente se interseccionar? É necessário haver sobreposição de algumas identidades sobre outras?
*Ter atenção a conceitos como tradução, différrance, hibridismo, binarismos e estado-nação liberal trazidos no texto de HALL, Stuart. A questão multicultural. In: Da Diáspora-identidade e mediações
culturais.
Multicultural, Robert Daniels
Questão proposta por Gizele, Karina, Mayra, Samuel e Thiago.
segunda-feira, 23 de janeiro de 2017
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