terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

O híbrido, o racismo e o Funk

Salve gente,
Boa noite.

Diante das questões levantadas por Karina Caetano e Mayra Madeira, provoquei algumas questões em uma espécie de “texto”. 
Fico a disposição para críticas, ou levantamento de qualquer questão.

Obrigado e boa leitura.




O híbrido, o racismo e o Funk

(Samuel Lima)




Imagem de um Baile Funk, por Vincent Rosenblatt.


PALAVRAS CHAVES: HIBRIDIZAÇÃO, RACISMO, FUNK

No século XX, as variadas formações e multiplicidades étnicas que traziam os processos imigratórios como característica, se mostrou no Brasil com a chegada de imigrantes que vinham da Itália, Alemanha, Suíça, dentre outros países da Europa. O objetivo dessa imigração era o branqueamento. Vera Candau bem lembra que esses imigrantes europeus receberam “vantagens de acesso à terra e ao emprego que jamais foram imaginadas pelos negros que aqui já estavam e com os quais a sociedade brasileira tinha – e ainda tem – uma enorme dívida.”. (CANDAU, p. 59, 2002). 
Abdias Nascimento realiza uma interessante reflexão desse quadro, problematizando como o negro pensa, sofre, aspira, reivindica, combate e almeja. O autor mostra na obra “O genocídio do Negro Brasileiro – processo de um racismo mascarado”, variadas experiências negras com relação ao racismo que foi fomentado não só pela escravização, mas também pela dita “democracia racial”, que vela os conflitos raciais, em troca de um discurso que diz que os “pretos e brancos convivem harmoniosamente, desfrutando iguais oportunidades de existência, sem nenhuma interferência nesse jogo de paridade social, das respectivas origens raciais ou étnicas.”. (NASCIMENTO, p. 41, 1978).
Recusando as classificações das ciências sociais que definem o negro no Brasil - estas que designam brasileiros por sua marca/ aparência, por sua origem/ raça e/ ou etnia -, Nascimento critica as práticas intelectuais que tem o fenótipo ou o genótipo como norteador, e que nega o fato concreto de que o citado país é marcado pelas diferenças e divergências étnico raciais. O corpo designado negro, preto, moreno, mulato, crioulo, pardo, mestiço, cabra, dentre outros eufemismos para designar o homem-de-cor, o descendente de africano escravizados no Brasil, enfim, “Trata-se, portanto, de um negro, não importa a gradação da cor da sua pele. Não vamos perder tempo com distinções supérfluas...” (NASCIMENTO, p. 42, 1978).

Bacharel em economia, artista plástico, ator, diretor teatral, parlamentar e, principalmente, militante da luta pela igualdade racial, Abdias Nascimento explica que esses processos da democracia racial são maliciosos, já que Gilberto Fleyre (um dos grandes propagadores do termo e/ ou do conceito) buscou racializar as relações étnicas, em troca de um embranquecimento da pele e da cultura negra. Com uma insistência de propostas perigosas, cheia de paternalismos, neocolonialismos e racismos, através de termos como, por exemplo, a morenidade, que tem o objetivo de fazer desaparecer a ideia de descendência africana, física e espiritualmente. Fleury segue nos equívocos, quando propõe a co-colonização – que seria o negro africano como o co-colonizador do Brasil, ou seja, são co-responsáveis, junto com os europeus, pela erradicação das populações indígenas – e a metarraça – base para reforçar a continuidade do branqueamento brasileiro, em uma forma sofista que coloca a negritude, muita das vezes, como algo racista. (NASCIMENTO, 1978).
Seria a “democracia racial” a “base teórica” do dito “racismos ao contrário”? Abdias comenta o conceito, dizendo que: 
Desde os primeiros tempos da vida nacional aos dias de hoje, o privilégio de decidir tem permanecido unicamente nas mãos dos propagadores e beneficiários do mito da ‘democracia racial’. Uma ‘democracia’ cuja artificiosidade se expõe para quem quiser ver; só um dos elementos que a constituiriam detém todo o poder em todos os níveis político-econômico-sociais: o branco. Os brancos controlam os meios de disseminar as informações; o aparelho educacional; eles formulam os conceitos, as armas e os valores do país. Não está patente que neste exclusivismo se radica o domínio quase absoluto desfrutado por algo tão falso quanto essa espécie de ‘democracia racial?’. (NASCIMENTO, p. 46, 1978).

Tal reflexão e revolta de Abdias sobre a “democracia racial”, nos remete ao pensamento de Frantz Fanon, que ressalta o racismo e o colonialismo como algo que deveria ser entendido nas maneiras de ver o mundo socialmente; mundo este racista, onde os negros são construídos como negros, ou seja, o pensar sobre distintos termos raciais que acontecem através da linguagem. Fanon explica que com a linguagem geramos e vivenciamos os significados. Dominar uma linguagem, um certo idioma, é a assumir uma identidade cultural. Para o negro, a predominação de uma linguagem mostra uma promessa que não se cumpre, pois seu corpo ainda fica ilegítimo.
Acreditar nessa ilegitimidade seria sair da relação dialética entre o Eu e o Outro, onde quase tudo, em um zelo sádico, é permitido contra os ilegítimos, no caso, o corpo preto:

Na América, os pretos são mantidos à parte. Na América do Sul, chicoteiam nas ruas e metralham os grevistas pretos. Na África Ocidental, o preto é um animal. E aqui, bem perto de mim, ao meu lado, este colega de faculdade, originário da Argélia, que me diz: “Enquanto pretenderem que o árabe é um homem como nós, nenhuma solução será viável”.
– Veja, meu caro, eu não tenho preconceitos de cor... Ora essa, entre monsieur, em nossa casa o preconceito de cor não existe!... Perfeitamente, o preto é um homem como nós... Não é por ser negro que é menos inteligente do que nós... Tive um colega senegalês no regimento que era muito refinado...
Onde me situar? Ou melhor, onde me meter? Martinicano, originário de “nossas” velhas colônias. Onde me esconder?
Olhe o preto!... Mamãe, um preto!... Cale a boca, menino, ele vai se
aborrecer! Não ligue, monsieur, ele não sabe que o senhor é tão civilizado quanto nós...
Meu corpo era devolvido desancado, desconjuntado, demolido, todo enlutado, naquele dia branco de inverno. O preto é um animal, o preto é ruim, o preto é malvado, o preto é feio; olhe, um preto! Faz frio, o preto treme, o preto treme porque sente frio, o menino treme porque tem medo do preto, o preto treme de frio, um frio que morde os ossos, o menino bonito treme porque pensa que o preto treme de raiva, o menino branco se joga nos braços da mãe: mamãe, o preto vai me comer! (FANON, p. 105, 2008).

Em uma crítica ao escravo hegeliano, que almeja e luta pela liberdade, esta que seria conquistada através do trabalho, Fanon trabalha com a ideia de escravização, onde a brancura seria a medida da liberdade, da humanidade e da universalidade. A negação do corpo negro adquire uma característica falha, que invisibiliza na sua busca por liberdade, pois, na maioria das vezes, o que ele busca é ser branco, ou melhor, ser considerado como algo humano, logo, ser humano seria ser ou ter o comportamento do branco. 
A cidade do Rio de Janeiro apresenta essas dificultosas compreensões sobre as relações de raça, já que despista com a simpatia, ritmo e cores, em contagiantes práticas que trazem em velos sua discriminação racial. Voltando a Abdias, ele disse que essa situação mostra uma patologia social do branco, dentro de abalos orgânicos e emocionais, realizado com o apoio da “preservação de certos privilégios baseados na herança da raça supostamente dominadora”. (NASCIMENTO, p. 82, 1982).
Quando as relações educacionais acolhem essas questões, a partir de tal contexto, realizada por uma constante visão holística, que leva “em conta todos os componentes de uma situação em suas interações e influências recíprocas. ” (ANDRÉ, p. 15, 2005).  A redução do manancial de saberes trazidos para a sala de aula, afasta os prioritários interessados de alguma reflexão que ultrapasse os muros das escolas. Quando o professor é intolerante, e dissemina ódio, sem nenhum argumento plausível, explicando que aqueles fenômenos não têm “nada haver”, porque acontece em certo lugar que não o interessa, pois “não frequenta esse tipo de cultura, e/ ou não convive com pessoas desse tipo de lugar, acaba violentando e afastando o público que se mostra diverso. 
O não acolhimento da realidade fenomênica dos alunos, nega as relações de amputações em suas vivências, querências e experiências, sobretudo, para os grupos que mais sofrem com tais enclausuramentos, ou seja, negros, mulheres, homossexuais. Dizer simplesmente que, por exemplo, o Funk, não presta, que a pichação é sujeira, que as pessoas do mesmo sexo não podem se relacionar, ou que lugar de moradia e convivência desses sujeitos é perigoso, nega toda a hibridização de culturas, ou seja, não mostra uma realidade de mundos misturados, até então diferenciados. 
Canclini explica que a hibridação é gerada pela heterogeneidade multitemporal e pelos impactos da globalização, através de processo que, na América Latina, decorrem da não existência de uma política reguladora nos valores modernos, já que estruturas e práticas de culturas que existiam de formas separadas, após se combinarem, passam a gerar novos objetivos, estruturas e práticas: um hibridismo de imprevisões, que marca o século XX nas mais diferentes áreas, produzindo um estimulo criativo que mescla interculturas já existentes. (CANCLINI, p. 70, 1995).
Comentando brevemente sobre a cultura do Funk Carioca, que ganhou proporção nacional, podemos lembrar que a partir dos anos de 1970, através dos bailes de Black Music, espalhados pelos clubes suburbanos da cidade do Rio de Janeiro, trouxeram novos grooves a jovens que cresceram concomitantemente com a riquíssima (in)formação do Samba. Em 1980, quando o que fazia a cabeça das Juventudes que frequentavam os mesmos bailes eram as bandas Kraftwerk, Afrika Bambaataa e 2 Live Crew, surgia uma vanguarda de origem popular que bebia do néctar musical do pop mundial, do mais comercial ao mais orgânico. 
Nos anos de 1990, o movimento se aprofundou nas possibilidades musicais da bateria eletrônica, junto a ritmos estrangeiros (Miami Bass), momento em que as favelas cariocas e outros lugares do popular no estado do Rio de Janeiro (Baixada Fluminense e Região Metropolitana) participavam da construção do movimento Funk Carioca.
Assim como outros ritmos musicais nacionais de origem negra (como os batuques de terreiros e as rodas de samba), movimentos que já eram mal vistos pela sociedade por acontecerem às margens da cidade, principalmente nas favelas (local onde os moradores tinham espaço para tais manifestações culturais), o Funk Carioca foi visto pelo olhar convencional conservador como uma ação de pobreza musical. 
Mas mesmo não sendo de entendimento óbvio, a potência do Funk Carioca se mostrou real, nascido das diásporas africanas nas periferias das Américas de herança cultural negra, que foi espalhada pelo continente a partir das frequências graves do Reggae, Samba, Soul e Funk (de James Brown). Com melodias pouco favoráveis e defendidas por cantores que nunca chegaram perto de qualquer conservatório musical, o Funk Carioca acompanhava letras escritas em português, mas com erros gramaticais, ao mesmo tempo que era assertivo nas composições, pois relatavam uma espécie de educação rueira, com narrativas da realidade vivida pelas Juventudes moradora de áreas populares. 
Dentre os variados acontecimentos desse movimento, surge o primeiro grande fenômeno juvenil funkeiro (a), que é lembrado por consagrar os (as) primeiros (as) cantores (as) desse ritmo: os Festivais de Galeras. Eventos em forma de competições que reuniam grupos de pessoas de diversos bairros (principalmente das favelas e dos subúrbios) em prol do Funk. Uma das etapas era realizada por cantores que representavam e exaltavam as galeras e seus lugares de moradia em verdadeiro hinos, trazendo em suas letras reflexões do cotidiano vivido por esses jovens. O evento durava o ano inteiro, e somente no final da competição os cantores vencedores eram consagrados pelo público como MC de Funk, dando início a carreira de vários artistas que ainda lutam para estar na cena musical. 
O Funk é vida, enquanto vida é memória, e sendo memória é morte. A coisa da morte, encarregada do ódio, da dor, das desgraças, das doenças, enfim, dos sentimentos que nos remete à violência, fazem parte da identidade rebelde funkeira, em um abundante íntimo de variações. Nos anos de 1990, as favelas cariocas florescem essa relação, principalmente na sua alquimia musical, que se mostra sinérgica com o nosso maior patrimônio cultural (que já foi citado), o Samba, pois também é capaz de transformar gritos desesperados em rebeldes hinos. Essas relações mudam durante os anos 2000: de FestivaisHassamBailes de ClubesSpring Love, a coisa foi para Baile de FavelaTamborzãoProibidãoPassinhoOstentação, dentro de diversas metamorfoses que fazem parte do conjunto da histórica trajetória da renovação/ revolução funkeira. Junto com essas e outras prosperidades funkeiras, acontece o aumento do sentimento covarde, intolerante e hostil transmitido pelas elites em relação a essa cultura popular urbana marginalizada, revertendo-se em uma “cultura” rentável, a partir do fomento da sistemática, midiática e lucrativa venda de polêmicas funkeiras.

Ao mesmo tempo que se proibiam os Bailes Funks que aconteciam nas favelas Zonas Norte, Oeste e Sul, o “número” das festas “
Funks” no asfalto aumentaram, principalmente nos espaços festivos e privados de eventos no Centro e na Zona Sul, que ajustam as estéticas funkeiras em suas festas para atrair o público. Hoje, essa relação amadurece, em uma apropriação cultural contraditória, já que as manifestações funkeiras, dentro de seu lugar de origem (a favela), não são aceitas com liberdade, enquanto produtoras e produtores dessa Zona Sul ganham protagonismo cultural e ascendência social, gourmetizando esses eventos para a “alta sociedade” e a quem mais possa pagar.

Funk, pelos (as) funkeiros (as), segue na cultura popular brasileira, mantendo uma de suas principais características: a capacidade de se transfigurar. Exemplo disso está nos reencontros entre as 
Galeras que, em momentos anteriores, se relacionavam de maneira tensa e até mortal (já que circulação em lugares de turmas rivais, poderia significar a sua morte), e hoje vem promovendo uma agenda cultural periódica nos fins de semana da cidade do Rio, dentre outros municípios (principalmente os da Baixada Fluminense), que intima outras Galeras a realizar, ao mesmo tempo em que convoca outros apreciadores das condutas funkeiras, independente da geração, para apoiar e estarem reunidos em um momento de trocas, encontro de amigos e familiares, que mostra na prática a importância de problematizar todos os seus adjetivos, inclusive os violentos, independente das posturas conservadoras, que já comentamos por aqui, de maneira breve.

Na roda da história, o corpo funkeiro é vítima da maior violência que já aconteceu no Brasil: a escravização. Antes, violentados em navios negreiros, há um tempo atrás, violentados em camburões, e agora, violentados em caveirões, a violência, seguida de assassinato, sempre esteve presente nas consciências e práticas funkeiras. Paz, guerra, vida, morte, não são coisas efêmeras no Funk CariocaFunkFunk Brasil, pois faz parte de uma conjuntura presente em outras culturas populares criadas pelos descendentes de negros e indígenas, assim como nas práticas tradicionais de seus ancestrais (o Candomblé, a Capoeira, o Samba).


Na maioria das vezes, o entusiasmo com o Funk é concomitante com o desprezo das práticas funkeiras, já que apesar de tanto “glamour”, popularização e “aceitação”, casos como o de Gualter Rocha, o Gamba, e de Douglas Rafael da Silva Pereira, o DGfunkeiros que mostraram uma diplomacia de diálogo com outras culturas, fazendo parte da encantadora representação da geração do Passinho, mesmo sendo consagrados como artistas, inclusive com aparições no jornal, rádio e TV, não foram salvos, e acabaram assassinados, fazendo parte da triste taxa de homicídios da sociedade brasileira, em que o corpo do jovem negro encabeça as estatísticas. Situação latente no universo da vida funkeira, já que isso aconteceu com tantos outros que fazem parte da construção desse movimento, sendo eles de Galera, de Bonde, ou apenas um funkeiro devotado.


Diante dessa troca funkeira, e voltando ao debate sobre o racismo brasileiro, podemos retornar a Candau, que comenta que, os negros latino americanos, principalmente no Brasil, faz parte de um grupo que reivindica a necessidade de uma educação mais “inculturada” na realidade, em uma escola que esteja compromissada as questões do público emergente, respeitando e valorizando a sua cultura, que dê especial atenção aos casos das prioridades a serem resolvidas, que no caso, estamos falando dos negros, que na história do Brasil, passaram pro múltiplos processo de escravização. (CANDAU, p. 62, 2002). 


A autora também lembra que considerar os alunos e suas famílias culpados seria uma postura bastante rasa, diante das “teorias racistas e a teoria da privação cultural.”.(CANDAU, p. 68, 2002). Mas quem determina o que deve ser cultura, ou quem deve ser marginalizado? Quais os critérios para considerar alguém culturado ou privado da cultura? Segundo Candau:
“Estas perguntas revelam que a escola, muitas das vezes ou quase sempre, tem um padrão cultural determinado e espera que os(as) alunos(as) nele se encaixem. A realidade, porém, mostra que nem todos possuem o esperado padrão cultural determinado a partir dos critérios do grupo social e culturalmente dominante. Durante muitas décadas, e ainda hoje, muitos educadores(as) acreditam que a solução para o fracasso escolar dos alunos(as) de grupos minoritários são os programas de compensação de déficit cultural.”. (CANDAU, p. 69, 2002).

Finalizo por aqui abrindo mais algumas questões hibridas, que estamos analisando em uma futura produção dissertativa, sobre um fenômeno que já foi citado rapidamente, mas não aprofundado, que é a pichação, ou melhor, piXação: a
pesar de ser usada na língua portuguesa com “ch”, escreveremos a palavra (e suas derivações, por exemplo: piXar) com a letra “X” maiúsculo, em afinidade com o trabalho de Gustavo Coelho “Deixa os garotos brincar (2016), onde submete a grafia de Massimo Canevacci no livro Culturas eXtremas (2005).

PiXação é a denominação brasileira para definir aquela grafia misteriosa e proibida, exposta em uma superfície especialmente urbana, através de um fenômeno que contém certa diversidade que leva a ressignificações próprias em cada território. Afirmando, para provocar, diante de tudo que foi exposto no respectivo texto, podemos pensar que se o aluno for capaz de falar sobre ser piXador, o professor poderá, dentro de um movimento empático, empírico e acolhedor, trabalhar com qualquer assunto ou dificuldade nas suas aulas.

A piXação é crime, e os piXadores sabem disso. Quando se mostram piXadores, mesmo que com velos, os alunos poderão mostrar outros significantes que fazem parte de sua vida, e que, talvez, esses sujeitos pensem que tais assuntos ou maneiras de ser não pudessem serem trazidos para a escola – por exemplo, sexualidade, religião, violência, racismo. Empiricamente, sugerimos aqui, para encerrar, que, sendo a maioria dos piXadores corpos desacolhidos, por não se sentirem bem por muitos acolhimentos, podemos dizer que os corpos mais desacolhidos são aqueles que passaram pelos processos de raciologia do Brasil, iniciado com a escravização de corpos de mulheres indígenas, homens indígenas, africanas e africanos, todos desumanizados pelos processos de colonização europeu.

BIBLIOGRAFIA

ANDRÉ, Marli Eliza D.A. Etnografia da prática escolar. Campinas: Papirus, 2005.

CANCLINI, Néstor García . Culturas híbridas: estrategias para entrar y salir de la modernidad. Buenos Aires: Sudamericana, 1995.

CANDAU, Vera. Capítulo 3: Multiculturalismo e educação: a construção de uma perspectiva. In: Candau, V. (org.). Sociedade, educação e cultura(s) questões e propostas. Rio de Janeiro: Vozes, 2002.

COELHO, Gustavo. Deixa os Garotos Brincar. Rio de Janeiro: Multifoco, 2016.

DV, Nuno. Rio de Riscos. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2013.

FANON, Frantz. Pele negra, máscaras brancas. Salvador: EDUFBA, 2008.

NASCIMENTO, Abdias. “O Genocídio do Negro Brasileiro – Processo de um Racismo Mascarado”. Paz e Terra: Rio de Janeiro, 1978.



NASCIMENTO, Abdias. “O negro revoltado”. 2ª edição. Nova Froteira: Rio de Janeiro, 1982.

9 comentários:

  1. Parabéns pelo texto e pela forma coerente e potente com que construiu sua reflexão. Para contribuir com o debate, retomo a relação que você fez entre o "mito da democracia racial" com a ideia de "racismo ao contrário", em suas palavras: "Seria a democracia racial a base teórica do dito racismo ao contrário?" Interessante essa relação, que me faz relacionar outros dois conceitos: hibridização com o de mestiçagem cultural. Será que a ideia de hibridização também poderia reforçar ou justificar o mito de "democracia racial", visto que ninguém é "puro", somos todos uma mescla, somos todos mestiços, como apropriar-se de uma identidade única como a "negra" por exemplo? Parece bastante produtivo pensar sobre como os conceitos podem ser aglutinados por diferentes perspectivas teóricas, justificando ou fragilizando demandas de grupos minoritários (politicamente) em nossa sociedade.

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  2. A articulação que fez entre diferentes autores e conceitos também contribui muito para o nosso debate. Corpos negados e silenciados são marcados e invisibilzados, entrando ou saindo da história de acordo com as disputas sociais, culturais, políticas, econômicas de um dado contexto. Também no currículo escolar, no cotidiano e vivência de professores/as e estudantes, essas expressões culturais são vistas de diferentes formas - positivamente ou negativamente - de acordo com seus contextos. Andrade faz uma revisão da perspectiva multicultural, apontando como a "diferença" é e foi concebida pela educação ao longo da história. E o funk, ou a piXação/grafite, ou o samba: podemos perceber apropriações, recriações na educação ou apenas invisibilização e silenciamento?

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  3. O texto emerge questões presentes há tempos em nossa sociedade, desde os tempos da colonização, mas que contraditoriamente a essa constatação, vem sendo invisibilizados de uma evidência mais aprofundada junto à sociedade. Tal fator, pode ser percebido pelo monopólio midiático que insistentemente versa por pseudo-notícias que tendenciam para uma padronização de aparência física, costumes, uso da linguagem, cultura e seus códigos tidos como aceitos, negando de maneira veemente a diversidade brasileira. Tal posicionamento massifica na mente do cidadão o que seria adequado ou inadequado para a postura de um "cidadão de bem". Com os profissionais de educação básica(sem generalismo) não tem sido diferente, visto que estes tem sido inebriados por um senso comum e se fecham na acomodação de planejar e promover aulas com discussões rasas, sem significado para parcela significativa dos alunos, sobretudo os da escola pública e de lugares periféricos, como é o caso da Baixada Fluminense, que se veem relegados a um ensino que em nada considera o que estes sujeitos e suas histórias familiares, étnicas, culturais, dentre outros. Por exemplo, no município(bairro) onde trabalho como professora de educação infantil, a maior parte das crianças são negras, o funk é trilha sonora, as famílias são constituídas de diversas formas, mas tais temáticas não compõem a proposta pedagógica que se embasa no calendário europeu e cristão(católico), negando a existência das outras manifestações de credo, por exemplo. Aliás, a questão do avanço de religiões(igrejas) neo-pentecostais em lugares como o que mencionei, tem gerado uma onda de conservadorismo que versa por aprofundar ainda mais as mentes e corações a uma padronização do comportamento e convivência em sociedade com retrocessos em numerosas questões como as já citada anteriormente, adicionando-se a de gênero e opção sexual. Fundamental importância tem trazer a tona temas como os abordados no texto de Lima(2017), para que registre-se que, os tidos como "diferentes" e "minorias"(não em número), existem,são parte integrante das raízes de nossa história e miscigenação(que aliás se aprofundou com a vinda dos europeus) e querem, podem e devem hastear suas bandeiras, enquanto seres humanos e cidadãos antes de mais nada.

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  4. O texto “O híbrido, o racismo e o Funk”, escrito pelo companheiro Samuel Lima, nos faz atentar as diversidades existentes na cultura brasileira, sobretudo a carioca e atentar a um grupo que tem requerido a todo o instante o seu espaço. Quero me ater, dentro do texto, a referência feita em uma das vertentes do funk que é a dança do passinho.
    Surgida nas periferias cariocas nos meados dos anos 2000, revela uma forte influência africana ao apostar em uma dança que trabalha com o quadril e as pernas. A dança e a resistência são marcas da cultura negra que luta diariamente contra o racismo e o preconceito. Antes essa expressão se despontava no samba herança trazida pelos escravos e que sobreviveu clandestinamente nos morros cariocas, graças aos negros que mantiveram essa herança musical/cultural. Essa resistência, agora acolhida pelo funk e expressa na dança passa ter uma nova confissão em um novo ritmo e com outra expressão corporal, entretanto sob o mesmo espaço: as periferias cariocas.
    O samba caminha no tempo e ganha força ao requerer se expressar nos espaços urbanos e ganha novas formas (samba enredo, pagode, samba de raiz , entre outros), já a dança do passinho surge nos tempos atuais e busca (in)conscientemente essa herança onde passam a criar uma linguagem corporal ao som de um ritmo que dialogue com essa dura realidade. Sob o olhar do passado aos dias atuais desponta a vivacidade de uma cultura que caminha pela sociedade brasileira e é desvendado através de sua musicalidade e dança .
    É interessante enfatizar que a cultura negra continua viva e ressurgindo, sobretudo com uma característica que sempre fez parte da sua identidade que é a memória – a história que se movimenta no tempo e ganha vida através da oralidade – e passa a ser acolhida e transformada ganhando novos significados e significantes.

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  5. Ao terminar de ler os três textos, me bateu uma reflexão muito própria. Diante das excelentes reflexões/ perguntas dos colegas no blog e ao ler a provocação da professora Kelly ao perguntar se “podemos perceber apropriações, recriações na educação ou apenas invisibilização e silenciamento? Não consegui argumentá-los separadamente. Resolvi então, dar asas a angústia que as palavras invisibilização e silenciamento me causaram.
    Como está a minha postura de educadora perante essas minorias massificadas?
    Precisamos quebrar esse silenciamento e trazer para a prática nossas mensagens de luta. Espero que não estranhem meu exemplo, mas sou professora da educação infantil, e é deste lugar que falo.
    Em relação à festa de Halloween, realmente não há nada contra, pois podemos ver pelo lado da interculturalidade e pensar que seria um intercâmbio cultural, e que não teria nada demais colocar a festa associada às aulas de Inglês. Porém sabemos que há o desejo de imposição da cultura americana em nosso país, desde sempre, e que ao mesmo tempo nosso Brasil nega as contribuições dos verdadeiros brasileiros, os donos da terra, os índios e os negros que para cá vieram em grande quantidade. O Brasil não conhece o Brasil direito, para ter que conhecer tão bem os Estados Unidos! É o mesmo que o menino carioca, que conhece as esculturas gregas e não sabe que o Cristo Redentor é uma escultura. O currículo valoriza mais a história da Europa que a do próprio país. Coisa de colonizado eternamente. Uma escola brasileira tem que cuidar de viver a cultura de seu país, pois acham que tudo que é cultura brasileira é pecado e coisa do mal. Cultura no Brasil está cada vez mais complicado. Pois querem nos colocar guela abaixo importações que ficam no final das contas, acima de nós mesmos. Corremos o risco de que as crianças acabem incorporando essa festa, muito mais do que o bumba meu boi, o samba, o jongo, o frevo e o maracatu. E tantas outras brasileirices que temos por esse país afora, pois sabemos que temos professores, que no fundo acreditam mais no que vem de fora do que no que vem de dentro dessa riquíssima terra que é o Brasil. Por que não reinventar o Halloween à brasileira, onde o Saci, a Mula sem cabeça, o Boto, a Yara, o Curupira e todos os outros seriam convidados.
    Sim, temos luta!
    Temos que reconhecer as contribuições de inúmeros intelectuais e pesquisadores negros e negras brasileiros como intervenção político-acadêmicas decoloniais. Autores que foram silenciados e que precisam ser retomados. Acho que é isso que fazemos aqui no mestrado.
    Relembrando o texto de Ortiz, não vejo a cultura apenas como patrimônio da humanidade. Acho que a cultura é patrimônio de cada povo, das minorias e respeitá-los é reconhecer as diferenças.
    Também voltando ao texto de Costa e Grosfoguel me pergunto se estamos atentos em não deixar que exerçam uma hegemonia cultural sobre as culturas dos colonizados. Nós mesmos “A partir deste ‘lócus epistêmico’, podemos construir um pensamento decolonial em âmbito nacional, assim como podemos construir um diálogo intercultural com outros sujeitos que vivenciam processos de subordinação no sul global” (COSTA; GROSFOGUEL, 2016, p. 22).
    Em meio a toda essa massificação, precisamos lembrar que os projetos educacionais precisam priorizar a diversidade. Temos o compromisso de lutar contra as desigualdades sociais, não podemos deixar morrer as lutas “políticas, econômicas e sociais de grupos socialmente e culturalmente marginalizados, principalmente negros” (CANDAU, 2002, p. 53).
    Segundo Hall a ‘crise de identidade’ está abalando os referenciais sociais. Mudanças na estrutural social atingem as sociedades modernas e fazem com que os indivíduos entrem em crise. No meio dessa turbulência de crise de identidade está a globalização causando impacto sobre nossa identidade cultural. Estamos sendo afetados pela globalização.
    Segundo Hall (2019, p. 31) “Representação é uma parte essencial do processo pelo qual os significados são produzidos e compartilhados entre os membros de uma cultura.”.
    Como estão nossas representações?

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  6. Tentando situar minha fala acima, que pode parecer desconectada do contexto, tentei trazer para a prática, uma perspectiva intercultural e sua atuação na prática pedagógica (ANDRADE, 2009).
    Procurei mostrar que lamentavelmente, “[...] a escola pode também ser um importante mecanismo de exclusão, dando a alguns o acesso aos mecanismos de poder (direito, língua, história, ciência etc.) e negligenciando a outros.” (ANDRADE, 2009, p. 29).
    Numa simples ação no cotidiano da educação infantil, posso estar reafirmando a hegemonia da colonialidade, enquanto deveria estar trabalhando em prol da decolonização.
    Termino meus argumentos citando a influência que as representações que possuímos e que nos constituem são fundamentais nesse processo.
    Mato também corrobora com Hall ao dizer que “Penso que a existência dessas diversas representações que identificam como é uma cultura se apresentam porque cada um dos que reinvindicam como sua uma suposta ‘cultura’ tem sua própria maneira de vê-la, de experimentá-la, de narrá-la e de representá-la.” (2009, p. 76-77).

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    1. Ao pensar a questão do funk, das mulheres negras ou dos indígenas como culturas que passam por tentativas de subalternalização e apagamento podemos, como sugere a Andreia repensar nosso lugar enquanto professoras e pesquisadoras na e da periferia questionando conforme apontamento do Samuel os mecanismos que legitimam e propagam essas invisibilizações. É realmente difícil e angustiante ver como os mecanismos de poder são replicados e reafirmados nas nossas escolas, muitas vezes a partir de uma monológica colonial como a única verdade. "A negação consciente ou incosnciente da condição pluri e intercultural própria de todas as sociedades latino-americanas constitui um significativo lastro histórico, pelo que implica em termos de nossa ignorância sobre nós mesmos. (...) O lastro que supõe esta negação não só afeta as possibilidades de construir sociedades mais justas e inclusivas, como também que cada uma destas sociedades possa utilizar todos os saberes e talentos a seu alcance". (MATOS, 2009, p. 80) Gosto de pensar que resistimos minha cara! Precisamos resistir, recuperar, repensar... Quando vou preparar uma aula me pergunto, quais as epistemologias que utilizamos para romper com lógicas que multiplicam privilégios e legitimam desigualdades? Como inseri-las no cotidiano da escola? Se a colonialidade tem agência, sendo esta muito eficaz e endinheirada, nós que (re)conhecemos os saberes outros precisamos também nos articular e fomentar esses conhecimentos para as e os estudantes e com nossas e nossos colegas. Por isso é tão importante estarmos organizadas. Além de resistir, passamos a existir, a propor e colaborar, ainda que sejamos nós por nós mesmas. Sabemos que esta coisa chamada cultura é algo vivo e em constante transformação, o cotidiano é duro, mas a crença de que podemos transformá-lo é o que me mantém de pé.

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